Ativo na comunidade de nipo-descendentes desde a adolescência, Mario Jun Okuhara, de 50 anos, é produtor audiovisual com mais de 30 anos de experiência e advogado, vindo de uma família que vem atuando tradicionalmente na área da comunicação do intercâmbio Brasil-Japão desde o final dos anos 1950.
Seguiu um caminho um pouco diferente de seus pais, foi além da televisão, engajando-se em causas mais profundas.

Líderes do movimento de retratação testemunham momento histórico (foto: arquivo pessoal/Mario Jun Okuhara)
O começo
Em 2012, Okuhara lançou o documentário “Yami no Ichinichi – O Crime que Abalou a Colônia Japonesa no Brasil”, que foca no episódio de conflito interno da comunidade japonesa entre 1946 e 1947. A produção “foi um instrumento de denúncia”, já que “ficou evidente a forma brutal como o Estado brasileiro tratou os imigrantes japoneses e seus filhos num contexto de repressão, perseguição política e racismo”.
“Produzir esse documentário foi um divisor de águas para mim, pois, durante a pesquisa e as entrevistas, me deparei com histórias de dor e injustiças que ainda eram silenciadas”. De acordo com Jun, os fatos relacionados à repressão e à perseguição política eram relatados com mais pesar do que o próprio conflito dentro da comunidade. “Assim, resolvi me aprofundar na maneira como o Estado brasileiro tratou os imigrantes japoneses durante e após a Segunda Guerra Mundial”, conta.
Começou então as atividades como ativista em Direitos Humanos na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Em outubro de 2013, propôs a audiência pública de investigaçãosobre os “Casos de Tortura e Morte de Imigrantes Japoneses”, em que inocentes como Fusatoshi Yamauchi e Fukuo Ikeda foram detidos sem acusação formal na Ilha Anchieta, em Ubatuba, São Paulo, e submetidos à tortura entre 1946 e 1947. A reunião contou com o apoio da Comissão Nacional da Verdade.
Desta forma, a comissão da Alesp confirmou os episódios de repressão e perseguição política do Estado à comunidade japonesa em todo o território nacional, e fez um pedido de desculpas aos imigrantes japoneses.
Mais tarde, em 2014, o ativista iniciou o movimento de retratação pela justiça histórica desses episódios.
Pedido de retratação
“Em novembro de 2015, protocolei o pedido oficial de reparação moral sem fins pecuniários na Comissão de Anistia, na época, vinculada ao Ministério da Justiça”, relata.

Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania realiza sessão para pedir desculpas pela perseguição aos imigrantes japoneses durante a Segunda Guerra (foto: arquivo pessoal/Mario Jun Okuhara)
Um breve contexto histórico
Se durante a Segunda Guerra Mundial os imigrantes japoneses foram considerados inimigos, no pós-guerra, acumularam a suspeita de serem terroristas também e enfrentaram uma série de severas restrições. Não podiam fazer reuniões sociais, casamentos, funerais, nem praticar uma atividade esportiva, porque “a polícia estava sempre presente”. Jornais e escolas japonesas foram fechados por serem proibidos, enquanto correspondências por carta eram censuradas.
Isso causou uma polarização na comunidade e resultou em atentados internos na capital paulista. E foi um fator a mais para que o DOPS (Departamento de Ordem e Política Social), órgão criado por Getúlio Vargas em 1924, continuasse com a repressão e “prisões sem fundamento”, além de outras medidas, como: o confisco de bens; os campos de concentração em Tomé-Açu (PR) e Tupã (SP); a expulsão em massa da Rua Conde de Sarzedas, no centro de São Paulo (SP); e, em Santos (SP), a remoção à força, em um prazo de 24 horas, de 6.500 imigrantes japoneses e descendentes que foram levados à Hospedaria dos Imigrantes, local de memória que existe hoje como o Museu da Imigração, na cidade de São Paulo.
O processo
Segundo Jun, o processo todo foi “longo e desafiador”. “Após a repercussão da audiência pública da Comissão da Verdade Rubens Paiva, percebi que era necessário ir além da memória oral e audiovisual, transformando isso em uma ação concreta”, diz. Para o líder ativista, grandes referências são as comunidades nikkeis dos Estados Unidos e do Canadá, que conquistaram, no final da década de 1980, a reparação pelas “graves violações” registradas durante a Segunda Guerra. “Mesmo que tardiamente, senti que precisava buscar a justiça histórica dos nossos antepassados”, completa.
Foram quase dez anos de defesa, incluindo articulações com representantes do governo, entidades da sociedade civil e a comunidade acadêmica. “Todo o movimento foi pautado pela preservação da memória histórica e pelo combate ao racismo e à xenofobia”.
Apoio
Uma parceira essencial foi a Associação Okinawa Kenjin do Brasil, visto que era necessário apresentar um CNPJ para atender os critérios jurídicos de protocolação do pedido. Além disso, a associação foi responsável pela pesquisa sobre a expulsão dos imigrantes e descendentes de Santos, confirmando a existência de uma repressão e perseguição política na época.
Também recebeu apoio de políticos, pesquisadores, artistas, influenciadores, jornalistas, ativistas e descendentes. “Mesmo que informalmente, muitas pessoas contribuíram com suas histórias, estudos e vozes para a concretização do movimento pela retratação”.
Sessão de julgamento
Assim, no dia 25 de julho de 2024, a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania realizou, em Brasília (DF), uma sessão de reparação coletiva para reconhecer as violações do Estado com base nos casos dos japoneses presos na Ilha Anchieta em 1946 e da expulsão de Santos em 1943.
Em sua fala, Okuhara destacou a ocasião como uma oportunidade de o Brasil se “reconciliar com seu passado e corrigir um erro histórico” e que, para as famílias, se tratava de um “momento para honrar os antepassados e trazer um pouco de conforto emocional”. Ressaltou ainda o papel da educação como “nosso principal instrumento nesta luta para ensinar às futuras gerações a importância de valorizar a diversidade e para construir uma sociedade na qual todos possam viver com respeito e dignidade”.
Na sequência, Eneá de Stutz e Almeida, presidenta da Comissão de Anistia, fez o pedido de desculpas em nome do governo brasileiro pela perseguição aos imigrantes japoneses e deixou uma mensagem de esperança para o futuro. “Eu quero homenagear os antepassados de vocês, eu quero prestar aqui todo o respeito pela luta, pela resistência, quero agradecer profundamente por vocês terem trazido essa história para que a gente consiga contar para as novas gerações, para que nunca mais se repita e para que nós tenhamos um país de respeito aos direitos humanos, à diversidade, à pluralidade como deve ser.”

Eneá de Stutz e Almeida, presidenta da Comissão de Anistia, faz o pedido oficial de desculpas em nome do governo brasileiro (foto: arquivo pessoal/Mario Jun Okuhara)
Repercussão
“Na comunidade nikkei, ainda existem resistências e um silêncio que precisam ser enfrentados, mas, fora dela, o pedido de desculpas ganhou ampla visibilidade, especialmente com o apoio de movimentos de direitos humanos e com a repercussão internacional”, avalia Jun, que cita o pronunciamento do governo japonês como exemplo e um passo histórico para o reconhecimento global dessas injustiças sofridas.
Para o líder sansei, “o êxito do movimento provou a força de mobilização dos nipo-brasileiros” e iniciativas como essa são importantes “para evitar que os erros do passado sejam esquecidos ou repetidos”.
E, como registro deste marco inédito, Jun está escrevendo um livro sobre os bastidores, intitulado 80 anos depois: A Justiça Histórica dos Imigrantes Japoneses no Brasil, que deverá ser publicado em breve.
© 2025 Tatiana Maebuchi
Tatiana Maebuchi @tatianamaebuchi
Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.
Atualizado em julho de 2015
Fonte: “originalmente publicado no site DiscoverNikkei.org, um projeto do Japanese American National Museum” e linkando com a página da matéria: https://discovernikkei.org/pt/journal/2025/6/22/movimento-de-retratacao/